EDUCAÇÃO
Por dentro da caixa-preta: como ensinar emancipando através
da fotografia
Por André de Araújo Lima. 08/03/2023
Este projeto foi realizado durante o ano de 2021 em formato remoto emergencial no Instituto de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia, Campus Jacobina. A proposta tece como foco discutir, refletir e produzir artisticamente através da fotografia, compreendida como imagem técnica, qual a dimensão imposta pelas formas de manipulação da realidade através de imagens publicitárias no cyber espaço sobre o indivíduo em situação de vulnerabilidade socioeconômica. O conceito de emancipação tratado aqui se baseia nas teorias do filósofo alemão Jurgen Harbemas (1989), que descreve o “Eu” emancipado como construído a partir do desenvolvimento comunicacional na perspectiva de uma sociedade coletivista. A fotografia no ensino da arte pode ser uma importante ferramenta no estímulo à construção de uma dimensão emancipatória sobre a realidade no espaço escolar e suas representações estéticas a partir do desenvolvimento de um olhar crítico sobre a imagem em sua dimensão simbólica. Tendo ainda o desafio de renovar-se frente a urgente demanda de novas soluções impostas pelo globalizado e complexo mundo contemporâneo, esta proposta busca também criar estratégias que ampliem o sentido sobre as experiências pedagógicas a serem desenvolvidas em relação aos processos identitários socioeconômicos na perspectiva da emancipação no ambiente social, buscando confrontar imagens do consumo alienantes com imagens do universo da arte e da fotografia que instrumentalizem os indivíduos no caminho da emancipação.
Justificativa
A proposta aqui apresentada busca aproximar o conceito sobre processos identitários às narrativas fotográficas de indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica no sentido que estes possam vislumbrar uma experiência emancipatória no contexto da Arte, para que, a partir dessa interação, seja possível elaborar formas de uso de ambas como uma opção metodológica versátil que possa ser implementada por docentes da área de artes, sobretudo nos institutos federais de educação, como forma de trazer instrumentos e processos de ensino-aprendizagem mais eficazes. A razão pela qual este projeto se desenha é o de tentar responder as inquietudes relativas à docência em artes no âmbito do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia da Bahia, de investigar os percursos formativos dos jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica que iniciam suas vidas acadêmicas com maior ímpeto, motivados por melhores perspectivas sociais nos cenários pós-capitalistas e também revisar o papel que as imagens técnicas têm no quotidiano da relação professor-aluno em sua dimensão emancipatória. No IFBA Campus Jacobina, existe uma grande diversidade identitária, grande parte dos estudantes vem de cidades vizinhas como Miguel Calmon, Tapiramutá, Várzea do Poço, Várzea Nova, Caém, Serrolândia, Mirangaba, Taquarendi, Várzea da Roça, Junco, Paraíso, Itaitú entre outras. (ROSA, 2014, p70). Diante disso, tem-se um território fértil em diversidades sociais, identidades em processo de amadurecimento e a possibilidade de uma intervenção favorável em relação ao uso das imagens técnicas, pois grande parte dos estudantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica da instituição está em contato com estes textos imagéticos.
Fundamentação Teórica
Como referência teórica primordial à construção de um conceito sobre arte na escola, este projeto buscou alicerce no pensamento do filósofo Gilles Deleuze, para ele a arte surge como uma potência imanente, como um saber específico sobre o mundo, pretendendo chegar ao novo, devendo ousar desformatar a escola como um espaço simbólico típico da sociedade de controle. (DELEUZE & GUATTARI, p. 67) A manipulação, desenvolvimento e definição de um conceito que envolva a arte como um saber no âmbito da escola perpassa a ideia de que é também necessário abordar a arte para além de um instrumento que gere um produto, a concepção sobre a arte, percebida no espaço da escola muitas vezes como técnica, portanto um instrumento, deixa de lado sua importância como forma de pensamento, preterida por finalidades práticas ou de embelezamento.
Nesse sentido este projeto abarca uma concepção de arte que ultrapassa os limites epistemológicos usualmente tradicionais no âmbito das escolas técnicas como é o caso do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia. A arte deve pensar o mundo de uma forma não pragmática, não limitada ao pensamento lógico-dedutivo.
Sobre a problemática da imagem fotográfica e seu uso como instrumento pedagógico, traz-se à luz o escopo teórico de alguns pensadores sobre o referido tema que podem elucidar um caminho para o desenrolar deste projeto. Falar a respeito da fotografia como proposta de ensino é buscar também questionamentos sobre o alfabetismo visual. Nesse sentido, trazemos como referência a obra “Sintaxe da linguagem visual,” de Donis A. Dondis, numa breve análise do contexto no qual estas mesmas imagens se inserem no cotidiano de docentes e estudantes, afinal, cada imagem guarda em si um receptáculo de impulsos, anseios e devaneios individuais e coletivos.
Até mesmo a utilização de uma abordagem visual do ensino carece de rigor e objetivos bem definidos. Em muitos casos, os alunos são bombardeados com recursos visuais, diapositivos, filmes, slides, projeções audiovisuais, mas trata-se de apresentações que reforçam sua experiência passiva de consumidores de televisão. (DONDIS, 1991, p 17.)
Percebemos na análise de da autora supracitada que a função da imagem na modernidade está fundamentalmente atrelada ao mundo do consumo moderno. Ainda para Dondis:
A revolução industrial provocou uma transformação dinâmica em todas as coisas feitas pela máquina, pelo artesão e pelo artista; elas não eram mais produzidas por encomenda, mas para fins especulativos. Aqui está o produto, criado e manufaturado; alguém vai querê-lo? Rompe-se, então, todo o intercâmbio entre o criador e o usuário, dando lugar a meios mais triviais de entendimento. O vazio é preenchido por todo o tipo de abordagem artificial, que tem por objetivo estimular a demanda do consumidor, como a publicidade e as pesquisas de mercado, mas o teste definitivo será sempre a resposta do consumidor. (DONDIS, 1991, p. 200)
A fotografia foi escolhida para o desenvolvimento deste projeto porque está presente em grande parte do cotidiano da população, sobretudo para professores e estudantes talvez de forma quase onipresente. Para Dondis (1991 p. 26) “A invenção da fotografia provocou o
surgimento espetacular de uma nova maneira de ver a comunicação e, por extensão, a educação”. Na educação, entende-se que a imagem tem um papel fundamental na aplicabilidade de formas de conhecimento. Entretanto, a sedução moderna pela imagem fotográfica não é um instrumento que por si só “ensina”, pois nos falta ainda este preparo para lidar com o conhecimento através de imagens.
Segundo Flusser:
De modo geral, todo mundo possui um aparelho fotográfico e fotografa, assim como, praticamente, todo mundo está alfabetizado e produz textos. Quem sabe escrever, sabe ler; logo, quem sabe fotografar sabe decifrar fotografias. Engano. Para captarmos a razão pela qual quem fotografa pode ser analfabeto fotográfico é preciso considerar a democratização do ato fotográfico. Tal consideração poderá contribuir, de passagem, à nossa compreensão da democracia em seu sentido mais amplo. (FLUSSER, 2002, p. 21)
Buscamos a reflexão sobre as imagens técnicas e seus paradigmas na contemporaneidade no pensamento de Vilém FLusser e Valter Benjamin e suas contundentes contribuições sobre a fotografia tornam-se, a partir da segunda metade do século XX, linhas basilares na compreensão epistemológica, social e cultural sobre o assunto. No mundo contemporâneo, a crescente indústria da fotografia possibilita acesso extremamente rápido em altíssima qualidade em praticamente todas as áreas do conhecimento, “a existência humana vai abandonando a estrutura do deslizamento linear para assumir a estrutura do saltear quântico, próprio dos aparelhos.” (FLUSSER, 2002. p.34).
Em Benjamin, colhe-se a proposta de uma visão crítica a respeito da imagem no espaço escolar, esta agora aparentemente detém o status de obra e não de representação, a aura citada no texto “A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica” nos é entregue coroada pelo universo midiático das imagens publicitárias, suscitando muitas vezes um comportamento hedonista por parte dos estudantes, imagens estas que também adentram o espaço da sala de aula e que podem trazem novas possibilidades e formas de repensar a prática docente como instrumentos desafiadores do status quo.
No espaço da escola a pluralidade cultural está presente de modo muito marcante e as identidades mostram-se vinculadas à classe social, gênero, etnia, raça, sexualidade, idade além de outras categorias perceptíveis nas relações sociais. A escola, portanto, deve promover uma reflexão acerca das múltiplas cidadanias e identidades, estas hoje são marcadas por um intenso debate no sentido de estabelecer uma definição. Para esta pesquisa a argumentação trazida por Bauman auxilia em uma compreensão sobre o termo:
[...] não têm a solidez de uma rocha, não são garantidas para toda a vida, são bastante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indivíduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – e a determinação de se manter firme a tudo isso – são fatores cruciais tanto para o pertencimento quanto para a identidade (BAUMAN, 2005, p.17).
Portanto temos uma definição elástica e mutável sobre identidades que pode trazer diversas situações produtivas e imprevisíveis para esta proposta, justamente por sua natureza complexa.
Objetivo Geral
Desenvolver processos didático-pedagógicos que tencionem o campo da educação contemporânea acerca da manipulação e consumo das imagens técnicas no ensino da arte, proporcionando a iniciativa e autonomia dos participantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica em questionar e propor ações/experiências artísticas emancipatórias por meio da construção/criação crítico-reflexiva capaz de ressignificar seus olhares, levando em consideração seus processos identitários.
Metodologia da Execução do Projeto
Inicialmente serão selecionados estudantes participantes da proposta que atendam a parcela de indivíduos em situação de vulnerabilidade socioeconômica através do contato com a assistência social do IFBA Campus Jacobina e das escolas públicas estaduais e municipais da cidade. Em um primeiro momento os estudantes irão responder a um questionário online que servirá como instrumento de seleção para preencher as 40 vagas da proposta de ensino, que terá logo após esta seleção uma fase preparatória na modalidade de um curso de introdução à leitura de imagens na modalidade remota, que abordará conceitos sobre a história da arte e da fotografia e como a imagem pode influenciar escolhas, desejos e aspirações políticas dos indivíduos. A análise de relatos dos estudantes ajudará a desenhar um esboço de metodologias ativas no ensino aprendizagem bem como o diálogo, entrevistas e o preenchimento de questionários estruturados que certamente constituirão elementos imprescindíveis para a elaboração de um arcabouço teórico mais robusto sobre o impacto das imagens técnicas no ensino da arte e seus efeitos no consumo contemporâneo.
O estudante bolsista será orientado a conhecer previamente o conteúdo deste curso e a intervir produtivamente do processo de ensino-aprendizagem dos estudantes participantes, sendo previamente orientado pelo coordenador. Será função do bolsista a coleta de dados sobre a produção dos participantes, o acompanhamento junto ao coordenador quando ocorrerem os encontros virtuais, aulas e reuniões. Caberá também ao bolsista supervisionar a produção artística semanalmente desenvolvida pelos participantes.
Em relação às entrevistas, pretende-se utilizar a metodologia preconizada por Szymanski, que afirma a entrevista reflexiva como um instrumento que “tem sido empregado em pesquisas qualitativas como uma solução para o estudo de significados subjetivos e de tópicos complexos”. Szymanski (2004, p.65). Tentar descobrir as motivações, tomadas de consciência e posteriores ações dos participantes selecionados para este estudo trará importantes pistas que possam apontar possíveis respostas para a questão geradora dessa investigação.
Finalmente os dados coletados e os conhecimentos adquiridos serão sistematizados na forma de uma cartilha educativa em formato virtual (PDF) que será distribuída gratuitamente para escolas públicas federais, estaduais e municipais. A cartilha será produzida pelo coordenador da proposta. Além disso será feita uma exposição virtual da produção artística dos participantes, preferencialmente nos canais oficiais do IFBA, expondo sobretudo o processo formativo dos envolvidos, trazendo relatos, imagens e vídeos de suas experiências individuais e coletivas.
Resultados Esperados
Os resultados do projeto serão materializados e publicados de duas formas, o primeiro em forma de cartilha virtual sobre as experiências realizadas a respeito do tema, buscando em linguagem acessível esclarecer sobre os impactos que o consumo de imagens pode ter no quotidiano dos participantes. Em um segundo momento haverá uma exposição virtual que irá exibir a produção artística dos envolvidos bem como apresentar os relatos individuais do impacto da proposta na formação cidadã, esperando como resultado deste processo a autonomia dos participantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica em questionar e propor ações/experiências artísticas emancipatórias por meio da construção/criação crítico-reflexiva capaz de ressignificar os seus olhares, levando em consideração seus processos identitários.
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