ARTE

Corpo e sexualidade

na arte contemporânea



Por André de Araújo Lima, 13/05/2023

A ideia que radicaliza com o status quo da relação de gênero e abre um debate amplo no âmbito da luta por direitos é o conceito de heterossexualidade como uma instituição política que retira o poder das mulheres (Rich,1993), apresentado por Adrienne Rich em seu artigo Compulsory Heterosexuality and Lesbian Existence.

Irei debater a ideia da heterocentricidade diante das quatro referências apontadas acima com a intenção de pensar o ensino da arte diante do paradigma da diáspora africana e seus desdobramentos na educação básica.

A ideia de heterocentricidade compulsória perpassa, no artigo de Adrienne Rich, um amplo espectro de lutas de poder entre sujeitos, corpos e perpetuação do poder heteronormativo. Ainda assim, a autora idealiza uma perspectiva em que mulheres têm capacidade de lutar contra o padrão masculino naturalizado na sociedade capitalista pelas suas instituições mais consolidadas: o trabalho, a família, a religião e o estado. Esta mesma ideia inspira Judith Butler a buscar uma ruptura com este padrão pela via da filosofia e traça uma definição ontológica de sexo. Butler evidencia esta marca histórica como uma imposição do modo de vida do homem sobre a mulher. De acordo com a autora

 
As normas regulatórias do “sexo” trabalham de uma forma performativa para constituir a materialidade dos corpos e, mais especificamente, para materializar o sexo do corpo, para materializar a diferença sexual a serviço da consolidação do imperativo heterossexual. (BUTLER, 2000). 


A demarcação dos corpos

Entende-se, pois, que o sexo figura uma forma de naturalização de uma única via de compreensão da sexualidade. De antemão, este fator acaba por se tornar uma simples questão de demarcação física dos sujeitos e a uma tendência a não aceitação de variações que fogem deste esquema binário homem/mulher. O imperativo heterossexual torna-se, a primeira vista, uma via de domesticação dos corpos culturalmente heterogêneos, e por isso, inaceitáveis para o acordo silencioso do capital e seus fundamentalismos culturais, sociais e econômicos. 
Em Beatriz Preciado a ideia de heterocentricidade compulsória é subvertida pela análise e visibilidade dos movimentos e das teorias queer. Preciado traz a crítica às ações biopolíticas da sexopolítica como agentes de controle da vida. De maneira diferente, Oyèrónké Oyěwùmí propõe uma desarticulação entre os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas frente às demandas das sociedades contemporâneas, que herdaram o legado de disparidades de gênero e categorias raciais da era moderna, fortemente marcada pela hegemonia cultural euro-americana em todo o mundo (Oyěwùmí, 2020).


Performatividade na arte de Michelle Mattiuzzi

Tento refletir sobre estes pronunciamentos pela obra da artista baiana Michelle Mattiuzzi. Sua produção gira, em suma, em torno dos dramas da mulher negra e seu apagamento histórico. Portanto, ela incorpora uma performatividade ritualística que se deixa absorver pela força dos símbolos em que se apropria. Ela cria uma narrativa íntima entre ela enquanto mulher feminista, negra e com suas identidades queer.
Numa performance apresentada em 2015, “Dilúvio em vermelho,” a artista permanece sentada imóvel numa cadeira por horas. Um líquido vermelho goteja a partir de uma certa altura, caindo no alto de sua cabeça. O silêncio do ato, no entanto, é cortado pelo som de cada gota. Séculos de tortura sublimados numa outra tortura. Cada gota é um mar apagado precipitando-se no ar, atingindo a cabeça e os ossos de quem ainda pôde ficar.

 

Referências 

BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do sexo. In. LOURO, Guacira Lopes. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 151- 198.
RICH, Adrienne. Heterossexualidade compulsória e existência lésbica. Tradução por Carlos Guilherme do Valle. Revista Bagoas, Natal, n. 5, 2010, p. 17-44.
Oyèrónké Oyewùmí, “Conceituando o gênero: os fundamentos eurocêntricos dos conceitos feministas e o desafio das epistemologias africanas”, In: Heloísa Buarque de Holanda (Org.), Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais, Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020, p. 85-95.


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