"Os Ébrios", Diego Velázquez, c. 1629, óleo sobre tela, 127 cm × 163 cm, Museu do Prado, Madrid.
arte
Por André Araújo Lima 01/08/2023
O embate entre a racionalidade e instinto na arte estabelece a base fundamental da teoria presente nos escritos de Nietzsche em " O nascimento da Tragédia". Ele busca demonstrar que as noções acerca do apolíneo e dionisíaco são os princípios geradores da obra de arte. A relação dialética entre ambos, no âmbito da produção artística levaram os gregos, "através de um miraculoso ato metafísico da vontade", nas palavras do autor, à criação da tragédia ática.
A miraculosa manifestação desses dois princípios, explicitamente contraditórios através da tragédia grega, evidenciam em seus primórdios um estado de equilíbrio entre sonho, caracterizado pelo deus Apolo, e um estado de embriaguez, por assim dizer, correspondente ao deus Dioniso. Com a consequente sobrelevação do pensamento socrático nos anos posteriores ao apogeu da tragédia, com seu otimismo racionalista, esta será regada sobretudo pelo espírito apolíneo, pelo princípio da individuação e da medida.
Em Apolo o mundo onírico apresenta-se como uma realidade inerente às artes plásticas e à poesia. O deus plasmador figura a fantasia sobre o mundo real. A bela aparência contrapõe-se a realidade da existência, dotando de beleza contemplativa a vida através da arte. Nesse sentido o homem se destaca da natureza, confiante em sua posição frente a ela. Quer moldá-la porque age por si mesmo. Sua individualidade é sua meta e a natureza é seu pano de fundo.
A tragédia em sua origem apresenta-se, portanto, como a duplicidade manifesta artisticamente entre Apolo e Dioniso. As forças da natureza atingem através deles o ser humano. Indagado por questões acerca do destino dos homens, trazem à luz a legitimação da sua existência como algo suportável: "nos gregos a "vontade" queria, na transfiguração do gênio e do mundo artístico, contemplar-se a si mesma: para glorificar-se, suas criaturas precisavam sentir-se dignas de glorificação, precisavam rever-se numa esfera superior, sem que este mundo perfeito da introvisão atuasse como imperativo ou como censura."
(pág. 38).
Nietzsche e as forças apolíneas e dionisíacas da arte
Nietzsche discorre acerca do surgimento da tragédia a partir do coro satírico. O ditirambo dionisíaco é a atuação desencadeante da transfiguração do princípio da individuação rumo ao ser primordial. A força instintiva guia o destino dos homens, a sabedoria do sátiro consola o heleno nos seus mais brandos e mais pesados sofrimentos.
É através da expansão do pensamento socrático que aquele instinto, tão caro aos tragediógrafos como Homero e Sófocles, irá desaparecer do gênero trágico, fazendo com que a própria tragédia desapareça. "Virtude é saber" diria Sócrates. O caráter apolíneo da filosofia socrática fizera ao pensamento grego lançar mão de seus instintos em busca da razão, da análise da vida. Morre Dioniso, morre a tragédia.
A arte aos poucos se transforma em diálogo filosófico, em um ideal em mostrar que felicidade só pode ser conquistada pelo conhecimento racional. Agora o herói deve ser lógico, pois aí reside sua virtuosidade. Seus conflitos insolúveis não buscam nada demonstrar de inteligível. A tragédia está vazia. A dialética suplanta a música, única alegria diante do aniquilamento individual.
O fim da tragédia
Quando o espírito apolíneo e o dionisíaco desaparecem da tragédia grega pelo domínio do espírito socrático, o homem vê-se liberado da moira(destino), através da razão ele domina os problemas da existência, onde não só a verdade se torna racionalizável mas também a arte.
Ainda sobre a tragédia, podemos sobrevoar uma passagem de Emile Cioran em seu livro Breviário de Decomposição ao falar sobre a imagem de Cristo e de quão belo seria se Ele não tivesse ressuscitado, apenas crucificado.
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