arte e educação

Belas-Artes morreu?

Por André Araújo Lima 21/01/2024

A foto que ilustra esse artigo foi capturada num dia quente de sol na cidade de Manaus, estado do Amazonas, nas dependências da Universidade Federal do Amazonas, durante a 41ª Reunião da ANPED, em 2023. De certa forma, essa imagem com a frase que deu mote para esta reflexão nos dá pistas para pensar que o panorama artístico contemporâneo tem passado por transformações profundas que desafiam a tradição. No mundo atual, a hegemonia dessas instituições tem sido questionada, e uma nova abordagem para compreender a arte emerge, desafiando paradigmas estabelecidos. A tentativa desse texto é compreender a obsolescência da tradição das escolas de belas-artes na contemporaneidade, destacando pensadores contemporâneos cujas ideias contribuem para uma compreensão mais ampla e dinâmica da arte no século XXI.


Um dos principais pontos de partida para a discussão da obsolescência das escolas de belas-artes é a desconstrução da própria ideia de escola, com raízes coloniais e tecnicistas ainda perenes. Pensadores como Jacques Derrida e Michael Foucault influenciam essa perspectiva ao questionar as normas e os padrões estéticos tradicionais. Derrida, em sua filosofia da desconstrução, desafia as dicotomias estabelecidas, questionando a oposição entre o popular e o erudito, revelando a arbitrariedade dessas categorias. Foucault, ao investigar as relações de poder e saber, nos convida a repensar como as instituições educacionais podem servir como mecanismos de controle e manutenção de normas estéticas elitistas.


No entanto, é importante reconhecer que a crítica não significa um completo abandono das práticas tradicionais. As escolas de belas-artes podem desempenhar um papel vital na preservação e revitalização das técnicas clássicas enquanto incorporam novas abordagens artísticas. A pintura deveria sustentar esse estandarte. As práticas tradicionais têm valor histórico e cultural, e seu ensino pode ser uma base sólida sobre a qual inovações contemporâneas são construídas.


Novas Abordagens Pedagógicas


Muito tem se discutido sobre a influência das tendências pedagógicas no ensino da arte no contexto da formação básica, sobretudo no ensino fundamental e médio, e precisamos dar o crédito desse marco à professora Ana Mae Barbosa. Suas contribuições destacam a importância de metodologias que incentivem a criatividade, a autonomia, e o pensamento crítico dos alunos. Ana Mae Barbosa defende a Arte/Educação, uma abordagem que integra a produção artística, a história da arte, e a crítica de arte, promovendo uma experiência educativa mais completa e significativa.


Além disso, a interdisciplinaridade tem se tornado uma prática essencial para atualizar o ensino de artes. Integrar ciências, tecnologias, e humanidades nas práticas artísticas amplia as possibilidades de expressão e entendimento da arte como uma prática multifacetada que dialoga com o mundo ao seu redor. Algumas escolas já incorporam parcerias com outras disciplinas para criar projetos colaborativos que refletem as complexidades do mundo contemporâneo.


A Arte e a Vida Cotidiana


Uma crítica importante à tradição das escolas de belas-artes é a fusão cada vez maior entre arte e vida. A contemporaneidade testemunha a diluição das fronteiras entre prática artística e experiência cotidiana. O filósofo francês Henri Lefebvre, em sua obra "A Produção do Espaço", argumenta que a vida cotidiana é o novo campo de batalha da arte. Nesse contexto, a arte emerge não apenas como um objeto estético isolado, mas como uma prática que permeia a existência quotidiana.


O capitalismo artista tem de característico o fato de que cria valor econômico por meio

do valor estético e experimental: ele se afirma como um sistema conceptor, produtor e

distribuidor de prazeres, de sensações, de encantamento. Em troca, uma das funções

tradicionais da arte é assumida pelo universo empresarial. O capitalismo se tornou

artista por estar sistematicamente empenhando em operações que, apelando para os

estilos, as imagens o divertimento, mobilizam os afetos, os prazeres estéticos, lúdicos e

sensíveis dos consumidores. O capitalismo artista é a formação que liga o econômico à

sensibilidade e ao imaginário; ele se baseia na interconexão do cálculo e do intuitivo,

do racional e do emocional, do financeiro e do artístico (2015:43).

Essa fusão entre arte e vida é exemplificada por práticas como as performances urbanas e intervenções artísticas em espaços públicos, que desafiam a noção de arte confinada em galerias e museus. Artistas contemporâneos estão explorando formas de arte que envolvem ativamente as comunidades, criando diálogos com questões sociais e culturais que afetam a vida cotidiana das pessoas.


Arte participativa e colaborativa


Outro ponto crucial para entender a obsolescência das escolas de belas-artes é a ascensão da arte participativa e colaborativa. A artista contemporânea Marina Abramovich, conhecida por suas performances interativas, desafia a passividade do espectador tradicional. Sua obra, e a de outros artistas engajados na arte relacional, evidenciam a importância da participação ativa na criação artística, rompendo com a ideia de que a arte é apenas um objeto a ser contemplado.


A arte participativa não apenas desafia as fronteiras tradicionais do que é considerado arte, mas também levanta questões sobre quem tem o direito de criar e participar do processo artístico. Isso tem levado muitas escolas a reconsiderar suas abordagens, buscando formas de engajar os alunos em práticas colaborativas que refletem essa dinâmica contemporânea.


O Papel das Novas Tecnologias


A ascensão das novas tecnologias e mídias digitais também contribui para a obsolescência da tradição das escolas de belas-artes. O filósofo Pierre Lévy, em suas reflexões sobre a cibercultura, destaca como a internet e as mídias digitais expandem as possibilidades de expressão artística. A digitalização da arte não apenas desafia os métodos secularizados de ensino, mas também amplia o alcance e a acessibilidade da produção artística.


As escolas de belas-artes que incorporam novas tecnologias em seus currículos estão melhor posicionadas para preparar seus alunos para um mundo em que as habilidades digitais são fundamentais. Cursos que ensinam design digital, animação, e arte interativa, por exemplo, estão se tornando cada vez mais populares e necessários para equipar os estudantes com as competências exigidas no mercado de trabalho atual.


Desafios e Oportunidades para as Escolas de Belas-Artes


Será que resta algum horizonte na função futura desta instituição? Diante da desconstrução das normas transestéticas, da fusão entre capitalismo, arte e vida, da ascensão da arte participativa e colaborativa, e da influência das novas mídias, a tradição das escolas de belas-artes na contemporaneidade se vê em um processo de transformação. Pensadores contemporâneos como Derrida, Foucault, Lefebvre, Abramovich e Lévy oferecem uma lente crítica para compreender e adaptar-se às mudanças significativas na produção e recepção da arte.


A obsolescência das escolas de belas-artes não implica a morte da arte, mas sim uma transformação profunda que exige uma abordagem mais flexível e aberta à diversidade e à inovação no cenário artístico atual que não submeta ainda mais sua sobrevivência às exigências do capitalismo artista. Essa transformação inclui não mais apenas reconhecer e valorizar a diversidade cultural, promovendo uma educação artística inclusiva que represente diferentes vozes e perspectivas, mas algo mais radical, romper com os acordos que homologam e impõem dimensões restritas sobre a arte, sua circulação e produção.


Integrando diversidade e inclusão


A discussão sobre a relevância das escolas de belas-artes também deve incluir a questão da diversidade e inclusão. As escolas devem se esforçar para refletir a pluralidade das práticas artísticas e culturais, criando espaços onde todas as vozes sejam ouvidas e valorizadas. Isso envolve a inclusão de práticas artísticas de comunidades historicamente marginalizadas e a promoção de um ensino que reconheça a arte como uma ferramenta poderosa de resistência e transformação social.


Conclusão


Em última análise, as escolas de belas-artes enfrentam o desafio de se adaptar a um mundo em constante mudança, onde a arte é vista como uma prática viva e dinâmica que transcende os limites tradicionais. Ao adotar uma abordagem mais aberta e inclusiva, que integra novas tecnologias, promove a diversidade, e valoriza tanto as práticas tradicionais quanto as inovações contemporâneas, essas instituições podem continuar a desempenhar um papel crucial na formação dos artistas do século XXI.

Referências

LIPOVETSKY. G. & SERROY, J. A estetização do mundo: viver na era do

capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.


Artigos recentes

Arte e guerrilhas feministas

02/05/2024

Belas-Artes

morreu?


Quer ler este artigo?

Apenas R$ 10,00 por mês.

Assine agora e seja membro!

Anselm Kiefer:

um artista entre

o céu e a terra

13/08/2023

Conheça nossos artigos sobre Fotografia

Quantos disparos tem o obturador da sua câmera?


Se você tem uma câmera DSLR e está pensando em vendê-la ou trocar o obturador, é importante saber qual a quantidade de disparos já realizados...

Lâminas do diafragma: mais é melhor?


De forma geral, mais lâminas proporcionam um melhor resultado. Mas é importante explicar em detalhes o porquê...

Por que contratar um fotógrafo profissional?


Você já ouviu aquele ditado de que uma imagem vale mais que mil palavras? Isso é verdade e as imagens captam muitas coisas ao mesmo tempo...

A fotografia e o abismo infinito

“A fotografia e o capitalismo têm como premissa uma ficção de acumulação infinita em um mundo finito. Uma vibração nervosa entre o concreto e o abstrato caracterizam ambos”